A ameaça das frentes missionárias a povos indígenas isolados
No coração da Amazônia, onde o silêncio da floresta guarda segredos milenares de civilizações que optaram por viver sem contato com o “mundo civilizado”, uma nova forma de colonização silenciosa ganha força: a evangelização por frentes missionárias que, sob o manto da fé cristã, penetram em territórios indígenas isolados com a promessa de “salvação”.
À primeira vista, o gesto pode parecer nobre. Dispositivos de áudio solar, como os entregues recentemente por missionários ligados à organização americana In Touch Ministries, transmitem mensagens bíblicas em idiomas indígenas, como relatado pelo UOL. Mas a pergunta que ecoa, incômoda e inadiável, é: quem autorizou a conversão de uma alma que sequer pediu ajuda?
Um ataque à identidade milenar
A evangelização de povos isolados não é um ato de compaixão, mas uma intervenção brutal na soberania espiritual, cultural e existencial desses grupos. Sob o pretexto da liberdade religiosa, missionários ignoram uma premissa fundamental do direito internacional: o direito à autodeterminação dos povos indígenas.
Esses povos possuem cosmovisões complexas, rituais de passagem, sistemas éticos e códigos morais profundamente enraizados em sua conexão com a natureza. A introdução de um Deus estrangeiro, de uma moral ocidental e de uma narrativa de “pecado e redenção” corrompe não apenas sua cultura, mas também seu equilíbrio social.
A evangelização vem antes da doença
A história mostra que onde chegam os missionários, chegam também os vírus, as gripes, os conflitos internos e a dependência. Tribos inteiras já foram dizimadas por doenças triviais para o homem urbano. Os Korubo, os Javari, os Zo’é, todos têm relatos de perdas irreparáveis após contatos não autorizados.
E pior: muitos missionários operam sem supervisão estatal, desrespeitando a política de “não contato” estabelecida desde 1987 pela Funai, uma diretriz clara, sensata e baseada em protocolos internacionais que buscam preservar a vida e os direitos desses povos.
Fé ou colonialismo disfarçado?
Chamar isso de evangelização é, no mínimo, eufemismo. O que se vê é um projeto neocolonial, travestido de missão divina. Assim como no passado os impérios europeus invadiam terras “em nome de Deus, do rei e da cruz”, hoje igrejas e ONGs missionárias fazem o mesmo, em nome de uma suposta salvação.
Mas como salvar alguém que nunca pediu para ser salvo? Como redimir pecados de um povo que sequer compartilha o conceito de culpa judaico-cristã?
Uma violação de direitos, travestida de fé
Essa prática configura violação de direitos humanos, de soberania cultural e até mesmo de leis brasileiras, como a Convenção 169 da OIT, que garante o direito dos povos indígenas a manter suas tradições, territórios e espiritualidades livres de interferência externa.
Não há benevolência quando se pisa sobre a autonomia de um povo.
O que o Brasil deve fazer?
1. Investigar rigorosamente as ações missionárias estrangeiras em territórios indígenas, sobretudo nas áreas isoladas.
2. Reforçar a vigilância sobre ONGs e organizações religiosas internacionais que atuam na Amazônia com finalidades proselitistas.
3. Punir exemplarmente violações à política de não contato e proteger os povos nativos como verdadeiros guardiões da floresta e da história do continente.
Respeito não é imposição
Evangelizar não é amar. Amar é respeitar. E respeito, neste caso, significa não ultrapassar o limite sagrado da autodeterminação. Que cada povo viva segundo sua cultura, sua espiritualidade e sua vontade, não segundo a ânsia de conversão de quem julga carregar a única verdade.
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